Órfãos dos filhos: a realidade dos pais que foram esquecidos

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Uma geração de idosos tenta superar a solidão e suprir a falta do convívio familiar.

“Eu já estou aqui abandonado mesmo”, diz José, de 74 anos, residente do Same – Lar de idosos Nossa Senhora da Conceição, em Aracaju, quando perguntado sobre o significado do Dia dos Pais. Separado da mulher, sem contato com o filho, o dia dos pais de José passará sem grandes comemorações além da pequena homenagem realizada pela instituição, onde ele afirma ter achado sua nova família. A realidade deste idoso não é diferente da de outras cidades e países.

Com o aumento da expectativa de vida, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 o Brasil tinha 28 milhões de idosos, o que equivale a 13,5% da população. A projeção do instituto é que, em 2042, a população brasileira tenha 57 milhões de pessoas na chamada melhor idade (24,5%).

Como resposta a esse aumento, muitos idosos são apartados da sociedade em asilos, casas de repousos e lares. Os nomes mudam, mas a função é a mesma: dar um lar aqueles que precisam, por qualquer razão que seja. Muitos familiares chegam a um ponto em que não conseguem mais lidar com o idoso, seja pelos cuidados que passam a exigir, por não terem condições (físicas, financeiras ou temporais) ou por puro descaso.

Talvez por serem uma lembrança da proximidade do fim, do destino final à qual todos estão fadados, seja mais fácil isolá-los, guardá-los para serem vistos apenas na visita semanal, mensal ou até anual, isso quando ela não é descartada em função das em geral corridas agendas. O Estatuto do Idoso estabelece que mais de 30 dias sem visita já é abandono.

Fome de afeto

Perda da independência, doenças, afastamento de pessoas queridas. A velhice vem com o seu próprio conjunto de desafios, enfatizados pelo abandono. Os familiares de Fernando*, de 78 anos, recorreram a um asilo quando os cuidados dos quais ele necessitava se tornaram muito árduos.

Fernando tem câncer de próstata em estado terminal. Seus dias são preenchidos por programas de TV, jogos de dominó e uma dor forte e constante. Apesar de ser visitado com frequência pelas suas irmãs, faz cerca de um mês que não vê o filho, que desmarcou duas visitas seguidas de última hora alegando terem surgido compromissos inesperados. A fala não esconde sua dor física e emocional. “Só isso que importa, felicidade e família, só isso”, repetiu inúmeras vezes.

Se, no corpo, essa exclusão causa estragos, na mente ele pode ser devastadora. Nos últimos anos, diversos estudos têm apontado uma forte associação entre a solidão e a incidência de doenças crônicas em idosos. Pesquisadores da Universidade de Chicago descobriram que o isolamento pode aumentar o risco de morte em 14% nas faixas etárias mais avançadas. O trabalho, liderado pelo psicólogo e especialista no assunto John Cacioppo, descobriu que o estresse provocado por essa sensação induz respostas inflamatórias nas células, afetando, entre outras coisas, a produção dos leucócitos, responsáveis por defender o organismo de infecções.

De acordo com a psicóloga Petruska Passos, o asilo – embora tenha o aspecto de socialização – precisa ser muito bem conduzido para que o idoso, que já tem uma tendência ao isolamento, possa estar integrado na comunidade.

“Deve-se tentar amparar esse sofrimento ao incentivar a autoestima entre os idosos, para eles acreditarem que são importantes. Também é essencial introduzir atividades que estimulem a socialização. Terapeutas ocupacionais e psicólogos ajudam muito com a aceitação das mudanças que surgem com a terceira idade”, explica a psicóloga.

Inclusão

Diante desses riscos, alguns países têm desenvolvido programas de combate à solidão na terceira idade. Na Inglaterra, onde 17,7% da população tem mais de 65 anos — percentual que deve aumentar para 24,3% em 2039 —, já existem campanhas nacionais, como a EndLoneliness. O país também lançou um serviço pioneiro: um 0800 que recebe ligações de pessoas mais velhas e solitárias. O relatório de atividades de 2016 diz que são feitas 1,4 mil chamadas por dia de idosos que, de outra maneira, não teriam com quem conversar.

Para a médica gerontóloga Zaida Azeredo, autora de diversos livros e pesquisas sobre idosos, é urgente investir em espaços de lazer e de interação social, além de planos educativos de longo prazo. “Esses são fatores preventivos da solidão”, afirma. No ano passado, ela publicou o artigo Solidão na perspectiva do idoso na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, descrevendo um estudo que fez com 73 idosos frequentadores de centros de convivência de Viseu, em Portugal. Quando perguntados como a sensação de estar só poderia ser diminuída, 28,8% elegeram passeios; 16,4% citaram atividades, como ginástica, dança e trabalhos manuais. Quinze por cento escolheram a resposta “família estar mais presente/não abandonar o idoso”.

Por F5 News

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