PGR rebate estratégia de parlamentares que tentam manter no STF casos que ferem restrição de foro

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ASCOM / Valdevan Noventa

Um acidente de trânsito, uma tentativa de influenciar testemunhas e uma suspeita de fraude à lei que reserva vagas para candidaturas femininas. Os três casos não têm relação com o exercício do mandato parlamentar e, conforme entendimento atual do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à prerrogativa de foro por função, deveriam tramitar na primeira instância. No entanto, em decorrência de recursos apresentados pelos investigados, os casos foram suspensos e aguardam decisão no STF quanto à instância onde devem ser processados. Em manifestações enviadas aos respectivos relatores dos casos na Suprema Corte, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tem questionado a estratégia que, conforme destaca, tem o objetivo de burlar a restrição de foro e retardar a apuração dos supostos crimes.

Um dos casos com manifestação recente da PGR envolve o deputado federal José Valdevan de Jesus Santos (PSC/SE). Nessa segunda-feira (13), Raquel Dodge opinou pela cassação da decisão monocrática que suspendeu ação penal contra o parlamentar e todos os desdobramentos cautelares que implicassem cerceamento à liberdade de locomoção que foram aplicados pela Justiça Eleitoral de Aracaju (SE). No documento, a procuradora-geral argumenta que o STF não é a instância para julgar supostos crimes anteriores à diplomação e sem relação com o cargo, conforme já decidido no julgamento da Questão de Ordem (QO) na Ação Penal 937.

No fim do ano passado, o parlamentar – que havia sido preso de forma preventiva – recorreu ao Supremo alegando violação à competência constitucional do STF pelo juiz eleitoral que determinou as medidas cautelares e que conduz o processo na primeira instância. Na reclamação, a defesa alega que os crimes imputados – falsidade ideológica eleitoral, uso de documento eleitoral falso e organização criminosa – estão intrinsecamente ligados ao cargo eletivo, e que a competência do STF teria sido firmada a partir de sua diplomação no cargo de deputado federal.

Raquel Dodge diverge das alegações e cita que, apesar de a denúncia ter sido apresentada dois dias após a diplomação do congressista, os fatos ocorreram antes do mandato parlamentar federal e não configuram ato vinculado ao exercício deste mandato. Ressalta, ainda, que o STF tem decidido que, mesmo em procedimentos criminais instaurados para apurar condutas de membros do Congresso Nacional de falsidade ideológica eleitoral e de compra de votos praticadas durante o mandato parlamentar, “tais condutas não guardam relação com o mandato, por se tratar de fatos estranhos às funções inerentes ao ofício parlamentar”.

A procuradora-geral da República argumenta que em situações semelhantes, nas quais é notório que os fatos se referem a eventuais crimes praticados antes do exercício do mandato e sem correlação com o cargo, cabe ao parlamentar o ônus argumentativo para provar a ligação do fato apurado e sua atividade funcional. Na avaliação da PGR, o risco é “transformar o Supremo Tribunal Federal em uma Corte de admissibilidade, estritamente cartorial, a pretexto de emitir juízos sobre a competência em situações manifestamente dissociadas da delimitação funcional reconhecida por sua própria deliberação, o que ocasionará apenas mais custos e, principalmente, demora na tramitação processual”. O relator do caso é o ministro Celso de Mello, que ainda apreciará a questão.

Outros casos – Assim como fez no caso do parlamentar de Sergipe, a PGR também se manifestou contra pedido apresentado pelo ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, mais conhecido como Marcelo Álvaro Antônio. Em reclamação enviada à Suprema Corte no início do ano, o político questionou a competência do Ministério Público Eleitoral (MP Eleitoral), em Minas Gerais, para apurar suspeitas de irregularidades no repasse de recursos públicos que custearam as campanhas eleitorais do PSL. Na reclamação, a defesa do ministro afirmou que teria ocorrido usurpação da competência do STF, uma vez que os fatos delitivos que são objeto do procedimento investigativo foram praticados durante o exercício e em razão do seu mandato como deputado federal.

Para Raquel Dodge, no entanto, a alegação não encontra respaldo na atual orientação do STF. No parecer, a procuradora-geral explicou que a investigação é decorrente de representação feita ao MP Eleitoral, segundo a qual, houve simulação de candidaturas femininas pela legenda. Sobre o mérito do pedido, a PGR também afirma que “os fatos ocorreram durante o mandato parlamentar federal do reclamante, porém não é ato vinculado ao exercício deste mandato” e que, por isso, não devem ser objeto de apuração na Suprema Corte. Neste caso, o relator do caso no Supremo, ministro Luiz Fux, negou o pedido da defesa e determinou que o caso fosse processado em primeira instância.

Outro político que também tentou garantir tramitação no STF de um caso que não possui relação com o mandato eletivo foi o senador Romário Faria (Podemos RJ). Em setembro de 2018, após se envolver em um acidente automobilístico, recorreu ao STF contra ato judicial da primeira instância criminal que o intimou para uma audiência. Assim como os demais parlamentares, a defesa de Romário alegou a sua condição de senador e acusou a magistrada de usurpar função da Suprema Corte. Em liminar concedida à época, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a decisão da primeira instância.

Na manifestação, Raquel Dodge reforçou o fundamento apresentado em outros casos: a evidente ausência de relação entre os fatos apurados e o exercício do mandato parlamentar. Para Raquel Dodge, o juízo de primeiro grau era o competente para impulsionar o caso, “cabendo, à luz da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937/RJ, ser transferido o ônus argumentativo ao parlamentar de demonstrar a correlação entre o fato, em tese, apurado e a sua atividade funcional”. No caso de Romário, após análise no STF, o relator, Ministro Ricardo Lewandowiski, determinou o envio do processo ao juizado especial criminal na capital fluminense para a continuidade da investigação.

Súmulas vinculantes – Raquel Dodge reforça que para garantir a segurança jurídica e evitar controvérsias sobre a restrição do foro, como as apontadas nos casos citados, é necessária a aprovação de duas propostas de súmula vinculante para restringir a prerrogativa de foro de autoridades. Os enunciados foram apresentados pelo ministro Dias Toffoli, em maio do ano passado, após julgamento no Plenário da QO 937. A primeira súmula aplica a restrição do benefício a membros dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), além do Ministério Público, em todas as esferas. A segunda declara inconstitucionais quaisquer regras de constituições estaduais que tratem de prerrogativas de foro não previstas na Constituição Federal. Para a PGR, “a aprovação da presente proposta de enunciados sumulares confere força normativa à Constituição e prestigia a jurisprudência do Supremo relativa ao tema”.

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